"Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti,
e perdi-me. Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido,
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo.
E vou escrever esta história para provar que sou sublime."
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti,
e perdi-me. Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido,
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo.
E vou escrever esta história para provar que sou sublime."
Fernando Pessoa
Parece que foi ontem. O teu cheiro ainda me acorda todas as manhãs, ainda te ouço desejar-me boa noite, ainda me aquece o teu calor nas noites mais frias. E no entanto passaram quase dois anos em que não sei quem fui ou o que quis ser. Soube despedir-me e mascarei-me numa viúva eterna, quando quis voltar não me reconheceste, não me soubeste despir, e depois de estar nua continuava a ser-te desconhecida, estava mais velha, muito mais velha, a tua ausência tem-me pesado bastante, nota-se as olheiras do sono que me tiraste, e a humidade na minha pele das lágrimas que te dei.
Escrevo-te para saberes que te deixei, eu a quem o medo nunca abandonou, este medo de te deixar, e não saber o que fazer, este medo de te abandonar e esquecer, ainda hoje tenho medo que me abandones, tu que voltas todas as noites, tenho medo que a memória me falhe e tu te desfaças em fumo.
Depois de te deixar voltei ao mundo real e toda a gente estava mascarada, numa máscara invisível, uma máscara que não tinham, uma que usavam sem mãos a medir, eu que estava habituada a ti, mascarei-me também para ninguém me conhecer, queria isolar-me, sentir-me sozinha, curar-me sozinha.
Quando te conheci, deixei-me neutralizar pela carga emotiva com que me tinhas bombardeado, quis ser soldado sem armas numa guerra que não existia, e perdi-te porque quis, acabei com a guerra, levantei as armas que não tinha, e fugi.
Agora continuo a fugir, não de ti, mas de mim, não sei quem sou, que roupas uso, se a máscara ainda serve ou se já se degradou.
Agora que já não me conheces, e eu voltei, talvez te apaixones outra vez por mim, e eu possa ser princesa de um conto de fadas.
E afinal nunca te deixei, tal como o medo nunca me deixou.
Escrevo-te para saberes que te deixei, eu a quem o medo nunca abandonou, este medo de te deixar, e não saber o que fazer, este medo de te abandonar e esquecer, ainda hoje tenho medo que me abandones, tu que voltas todas as noites, tenho medo que a memória me falhe e tu te desfaças em fumo.
Depois de te deixar voltei ao mundo real e toda a gente estava mascarada, numa máscara invisível, uma máscara que não tinham, uma que usavam sem mãos a medir, eu que estava habituada a ti, mascarei-me também para ninguém me conhecer, queria isolar-me, sentir-me sozinha, curar-me sozinha.
Quando te conheci, deixei-me neutralizar pela carga emotiva com que me tinhas bombardeado, quis ser soldado sem armas numa guerra que não existia, e perdi-te porque quis, acabei com a guerra, levantei as armas que não tinha, e fugi.
Agora continuo a fugir, não de ti, mas de mim, não sei quem sou, que roupas uso, se a máscara ainda serve ou se já se degradou.
Agora que já não me conheces, e eu voltei, talvez te apaixones outra vez por mim, e eu possa ser princesa de um conto de fadas.
E afinal nunca te deixei, tal como o medo nunca me deixou.
3 comentários:
1º Fernando Pessoa *.*
2º Acho que não há nada a dizer sobre a perfeição deste texto.
3º as duas primeiras razões chegaram para ter ficado vidrado xD
é verdade, temos mesmo que aceitar:)
o texto está fantástico, sem palavras
Isabel Allende, grande senhora :)
mas neste texto, superas :D
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